sexta-feira, 16 de março de 2012

CANTANDO A ILHA: MURIRAMBA



Autor: Prof. Alcir Rodrigues
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Vista parcial da enseada do Muriramba



Acolá, como pequenos tsunamis,
vêm vaticinando, lépidos,
os rugidos do mar-baía,
em forma de ligeiros tigres
―com garras e dentes espumantes ―
que atacam e dilaceram
a carne da indefesa falésia
da charmosa enseada do Muriramba...
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Outra vista parcial da enseada do Muriramba



Sangrando, a tabatinga vermelha
se desmancha, manchando
o pardo plasma do mar,
lavando e tingindo areias e rochas,
deslocando devagar as pedras da camboa,
remota lembrança ali deixada
por nossos ancestrais, pedaços
da história viva em pedras,
mixados ao fantasma dos peixes,
siris e camarões, afugentados todos
pela predatória captura industrial...

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Mais uma vista parcial da enseada do Muriramba


As garras e dentes espumantes
na verdade sorriem e gargalham,
com sarcasmo
lembrando da afamada máxima:

                “Água mole,
                                 em pedra dura,
            tanto bate,
                                             até que fura”...

Mas os rugidos espumantes, ali,
não só dilaceram e arrancam nacos,
também lambem e acariciam,
transmudando-se em canções,
barcarolas de ninar, alimentando os devaneios
de quem vê e ouve, além de tudo o mais,
a fantasia e a beleza
de uma perenidade
de
          vaivém e enche-vaza, ondas
       de seres e sombras,
úmidos sons e ecos líquidos
                                  da dança da infinitude do devir...

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Camboas no Ariramba, com vista da barraca Boêmios, próximas da Embratel. São resquícios do tempo passado, vestígios ancestrais que se recusam – ainda bem! — a desaparecer, apesar dos apelos massivos e cruéis do “progresso”
*          *          *



“Aproveitando a temática evocada pelo poema, vale a pena conversar sobre duas palavras: ‘Muriramba’ e ‘camboa’. A primeira é tratada hoje como um ‘amálgama’ lexical; ou seja, uma fusão de partes de vocábulos (dois ou mais), originando um híbrido vocabular. Por isso, alguns estudiosos do idioma materno (o português, na expressão brasileira da língua de origem lusa), também usam a terminologia ‘palavra-valise’, por conter dentro de uma palavra outras delas; ou ‘palavra-centauro’, neste caso, acentuando-se, mais ainda, o hibridismo vocabular. Fiquemos com o primeiro. ‘Muriramba’, na Ilha (do Mosqueiro), dá nome à enseada singela que intersecciona as enseadas das praias do Murubira (onde habitaram os indígenas da tribo dos ‘Morobiras’; daí sua denominação) e do Ariramba (espécie pequena de pássaro mariscador, conhecido também pelo nome de martim-pescador, com ocorrência comum naquela área, de onde vem a denominação da praia).
Já a palavra ‘camboa’, de origem tupi, consultando o Vocabulário terminológico cultural da Amazônia paraense (OLIVEIRA, Maria Odaissa Espinheiro de. Belém, EDUFPA, 2005. v. 2, p 70), tem a seguinte entrada no verbete:
Camboa: s.f. Lago artificial à beira-mar, no qual durante a maré alta o peixe miúdo entra. Esteiro que enche com o fluxo do mar e fica seco com o refluxo.
[Vejamos este exemplo dado no livro citado]
“[…] O Coló simplesmente desapareceu da popa da canoa na camboa, no pesqueiro, e até hoje ninguém sabe que fim levou o Coló …] (C.C.Onde está Coló? Histórias de Cobra Grande. f. 273. Informante – Agripino Almeida da Conceição. Pesquisadora –Ana Cristina Lopes Borges ).”
Em dicionário eletrônico Aurélio, encontrei o seguinte:
Camboa (ô): [Do tupi] S. f.
1. Cercado armado em pequena depressão, junto ao mar, onde, na maré baixa, fica retido o peixe miúdo que ali penetra na preamar.
2. Bras.  NE  Esteiro que enche com o fluxo do mar e fica em seco com o refluxo. [Var., nesta acepção: gamboa]
3. Bras. MA Processo de pesca em que diversos pescadores, armados com a tarrafa, cercam com as suas canoas o cardume de peixes. `
Para nós, válidas são as duas primeiras acepções.
Aproveitando o ensejo em que nos referimos à praia do Ariramba, reproduzimos abaixo uma grande passagem, muito bem-humorada,  da Apresentação do livro Ilha,capital Vila (ROCHA, Cândido Marinho. Ilha, capital Vila. Belém: Falangola, 1973, pp. 12-13):
“Recentemente, [naquela época, 1973] um cronista social de Belém passou a citar a Ilha com o adorável adjetivo de bucólica, no sentido de inocente, simples, graciosa e não, certamente, como pastoril ou campestre. Considerando injusta a generalização do título, porque a Ilha não é totalmente pastoril, inocente, simples, graciosa e campestre – resolvemos modificar a qualificação. assim, consideramos bucólica a área abrangida pelos bairros e praias do Chapéu Virado e do Farol por serem os mais prestigiosos pelo elevado nível financeiro dos seus frequentadores, constituída a nomeação assim como uma espécie de sofisticação daqueles bairros. À Vila, em cujo mercado municipal é vendida uma indefinível sopa, demos o título de cólica. Ao bairro Morubira [SIC!], cujas praias apresentavam-se crivadas de pedregulhos, com raras casas de valor e de reduzido movimento social, coube a designação de melancólica. A bela praia do S. Francisco, assim titulada em homenagem a insigne santo da igreja e onde começam a surgir os primeiros prédios custosos, passou a ser católica. Ariramba é bem desenhada e graciosa enseada, de larga praia e limpas areias. Há lá o frequentadíssimo bar e botequim “Ponto Certo”, propriedade de um obsequioso Oliveira. A praia torna-se ainda mais simpática porque é orlada por alcantiladas ribanceiras, sobre as quais imponentes árvores se erguem, em vistoso balisamento [SIC!]. Em cima, na pista, jardins públicos e quadra iluminada de vôlei [SIC!], frequentados pelos veranistas, em desfile de beleza e saúde. Uma cabana chamada “Matapy” –em forma de guarda-sol coberto de palhas – é curiosa “boite” [boate, em português] e sede de tertúlias e serenatas, drincagens elegantes. Merece tudo isso justificado capítulo. Os arirambenses fundaram a “Sociedade dos Amigos de Ariramba”, que promove o bairro em tempo de férias e das festas da igreja local´. É Ariramba – nome de pássaro que é o mesmo “Martin-Pescador” – pela atração do “Ponto Certo”, onde se bebe, recita e canta, e por sua frequência de gente sem preconceitos, gente natural e fraterna, muito procurada pelos banhistas de todos os outros bairros. À porta e ao balcão do despretensioso bar, aglomeram-se crianças, jovens, senhoras, cavalheiro, em qualquer traje, sem inibição alguma, para amplo relax, em variados tipos de bebidas. Por tudo isso, Ariramba é conhecida como a alcoólica.
Areião, velha e abandonada praia, possuiu grandeza n’outros tempos. Seu prestígio foi exageradamente aumentado pelos episódios decorrentes do rapto de Mainha pelo nosso personagem Zozó. Às vezes desce de prestígio, também exageradamente, pelo acúmulo dos detritos da maré que nela encostam. Consequência: é a hiperbólica.
Em suma, é assim a Ilha. Nem muito autêntica, nem muito irreal.
Tal como no livro.
                             Belém, dezembro de 1972.
(Palavras do próprio Cândido Marinho Rocha, no fundo, um admirador de Mosqueiro, mas também um grande gozador)”
                                         *          *          *
Retomemos as palavras de Marinho Rocha: Ariramba é bem desenhada e graciosa enseada, de larga praia e limpas areias. Há lá o frequentadíssimo bar e botequim “Ponto certo”, propriedade de um obsequioso Oliveira. A praia torna-se ainda mais simpática porque é orlada por alcantiladas ribanceiras, sobre as quais imponentes árvores se erguem, em vistoso balisamento [SIC!]. Em cima, na pista, jardins públicos e quadra iluminada de vôlei [SIC!], frequentados pelos veranistas, em desfile de beleza e saúde.
Vejamos essa beleza, nas fotos a seguir, mesmo numa manhã chuvosa:
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Foros batidas em 21/01/2012

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