segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

JANELAS DO TEMPO: ILHA E VILA

Autor: Augusto Meira Filho

 

Mosqueiro – ilha e vila – chegou ao século XX trazendo sua pequena bagagem histórica, desde os primeiros momentos da formação de Belém do Grão-Pará. Vimos, em seus detalhes, como isso se processou. Entrada a nova centúria e com ela resultados de 1889, com o advento da República, olhava-se o lugar já sob aquele novo hábito introduzido pelos estrangeiros que pontificavam nas empresas concessionárias dos serviços públicos de Belém. Os paraenses e, sobretudo o belemita, começavam a usufruir da influência alienígena o salutar desejo de um fim-de-semana em paz no “Chapéu-Virado”. Os antigos chalets serviam de modelo a outras edificações, avançando para o “Murubira” e o “Ariramba”. As obras afrancesadas de então davam os fundamentos para um sistema menos rico, mais vulgar, embora todo ele inspirado nas condições locais de cada edificação. Dessa experiência, nas praias do “Bispo”, do “Areião” e na “Praia Grande”, se erguiam moradias leves, de madeira, avarandadas e suspensas do solo o suficiente para a utilização do térreo e arejamento da construção. Dezenas de casas se construiriam nesse estilo tropicalizado para as residências no equador, às vezes até inspiradas em obras congêneres executadas em Cayenne e em Paramaribo, regiões do norte e quase do mesmo clima.

Ainda restam em nossas praias modelos semi-centenários dessas obras concebidas em função do clima, do lugar e das possibilidades financeiras de seus proprietários. Na orla fluvial da ilha, seguem-se, lado a lado, essas edificações curiosas, sempre em madeira e ornadas de belos terraços e lambrequins, ao centro de largos terrenos, verdadeiros pomares, moldurando a paisagem pitoresca do litoral mosqueirense. Sempre houve o hábito tradicional de se dar um nome que identifica essas vivendas. Além da homenagem a alguma pessoa da família ou a qualquer outro recanto de estimação, essas designações tinham sua função social: facilitavam aos famosos carregadores da ponte (trapiche) a entrega de mercadorias, encomendas, material de construção, etc., destinados ao Mosqueiro, transportados pelo navio da linha. De início, esse transporte se fazia duas vezes por mês pelos barcos da antiga “Port-of-Pará” modificado, depois, para três vezes por semana e, mais tarde, uma viagem diária de ida e volta, Belém-Mosqueiro.. De passagem o navio atracava no trapiche do Pinheiro (Icoaraci) e depois seguia para a ilha. Aos sábados, havia viagem extra às 14 horas e, aos domingos, duas vezes: 7 e 11 horas para veranistas que se destinassem ao Chapéu-Virado, retornando a Belém, ao cair da tarde. Essa mesma embarcação fazia, também, o percurso da capital à cidade de Soure, no Marajó, aos sábados e quartas-feiras. Dessa época, ficou na memória dos amantes da ilha do Mosqueiro a presença do navio “Almirante Alexandrino” com o seu querido comandante Ernesto. Tantas foram as viagens do saudoso barco que já se dizia à boca solta que ele seria capaz de desatracar do “Mosqueiro e Soure” em Belém, seguir e encostar na ponte do Mosqueiro, sem precisar de gente no comando. “Já sabia de cor o caminho e as manobras precisas...” Durante muitos anos o Comandante Ernesto dirigiu esse famoso Almirante Alexandrino. Várias gerações da cidade cresceram e se formaram, vendo, assistindo, aplaudindo a perícia desse admirável marinheiro. O Mestre-de-bordo, seus ajudantes, cabos e marujos, também, participavam das amizades de todas as famílias que, regularmente, se transferiam nas férias, para as praias mosqueirenses. Da mesma forma, durante anos, carregadores fixaram fregueses, colaborando, na hora trágica do desembarque. Recebiam encomendas remetidas de Belém pelo navio e, no Mosqueiro, se incumbiam de entregá-las aos caseiros ou a qualquer outro destinatário. Prestavam relevantes serviços, sobretudo às pessoas que mantinham contacto permanente com a ilha. Dadas as circunstâncias do lugar, próprio ao lazer, às folgas, às férias, essa palavra mágica e o “Alexandrino” estavam presos ao calendário de escolares e de quantos sabiam gozar nas praias as delícias de momentos de prazer e de paz. Isso ficou. E não há nenhuma pessoa em Belém ligada àqueles tempos que não passe à ilharga do Galpão Mosqueiro e Soure, sem revisar na memória as célebres partidas de cinco horas do Almirante, pleno de gente, de bagagem, de alegria, pois “ir ao Mosqueiro” sempre foi um prêmio à meninada e um justo repouso aos amadurecidos.

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O vapor Almirante Alexandrino (FONTE: MEIRA FILHO, 1978).

No período da guerra, para colaborar, a companhia colocou enormes vapores, vindos da América, na linha do Mosqueiro, quando afastados do trabalho de rotina.

Também no Galpão tradicional, carregadores e pregões se familiarizaram com veranistas que, em qualquer tempo, seguiam para o Mosqueiro. Transportavam material, davam recados, faziam compras e, nos dias tumultuados, adquiriam bilhetes numerados ou guardavam lugar na fila para esse fim. Amigos e colaboradores, esses carregadores estão ligados à vida do Mosqueiro em quase meio século. Pelos números, atendiam telefone, prestavam serviço e carregavam, muitas vezes, crianças e bebês, enquanto os pais cuidavam de acomodar suas tribos... No inverno, empunhavam guarda-chuvas, protegendo os fregueses, da rampa do navio até a cobertura do Galpão. Admirável trabalho que precisa ser assinalado, da maior importância, na história da Ilha do Mosqueiro. O mesmo fato, com pequenas alterações, ocorria no Mosqueiro. Ao desembarque alucinado, na ponte e na rampa de acesso ao local onde ficavam os ônibus do transporte interno da ilha. Aí, pela madrugada, carregadores madrugavam comprando passagens, despachando bagagens e procurando servir o veranista da melhor forma possível. Na “ponte” ficaram famosos o “oito”, o “sete”, o “dezoito” e o “vinte e oito”, mais ágeis e sérios, em quem a população depositava inteira confiança.

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Primeiro ônibus da Ilha do Mosqueiro (FONTE: MEIRA FILHO).

A receita municipal nunca poderia atender aos reclamos dos visitantes que sempre flutuavam em função de domingos e feriados. A precariedade do serviço na circulação dos veículos oficiais, isto é, da Agência, faria com que alguns particulares tomassem a frente desses trabalhos. Velhas camionetes, carros primitivos reformados, caminhões transformados em paus-de-arara, à chegada do navio, se apinhavam de gente, louca e fatigada, desejosa de chegar à casa e descansar da atribulada, embora pitoresca viagem de Belém ao Mosqueiro. Não havia na Vila veículos de aluguel, senão dois ou três caindo aos pedaços, mas que na hora do aperto se transformavam em belas limousines. O negócio era bom, quando a freguesia era permanente, justamente aos fins de semana. Os ônibus da Prefeitura, reduzidos e velhos, mal chegavam para os que se dirigiam à Praia Grande ou ao Farol. A linha ia até o Ariramba, primeiramente, depois, ao Carananduba. Antes, não ultrapassava o Chapéu-Virado ou voltava da extremidade do Murubira. Velhos motoristas conheciam as pessoas, as casas, os nomes das vivendas e até a empregadagem. Recordamos, nessa altura, a figura gorda, baixa e simpática do “Pipoca” e a do magricela, ranheta, com defeito físico, conhecido por “Narizinho”. Na área do serviço particular, mandavam o Cecy e o pai, ambos munidos de camionetes antigas, quase imprestáveis, mas seqüestradas por todo mundo que se dirigia às praias distantes. Essas figuras são parte da paisagem mosqueirense, tais como o Lacerda (vendedor de passagens), a D. Georgina (baiana), o caseiro André e o “Padre Serra” em seu Café, no mercado.

São figuras populares, cuja história se funde e confunde com a própria existência da ilha.”

( FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 52, 55, 56 e 57)

sábado, 22 de janeiro de 2011

JANELAS DO TEMPO: SÃO SEBASTIÃO DA PRAIA GRANDE

A Festividade de São Sebastião da Praia Grande, às proximidades da Vila do Mosqueiro, é, com certeza, uma das mais antigas da ilha. Essa tradicional festa promovida pela família Oliveira tem oficialmente cento e cinquenta e quatro anos, contados a partir de 27 de julho de 1856, data impressa no esplendor da imagem do Santo, trazida de Portugal por iniciativa do Sr. Domingos de Oliveira.

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São Sebastião (FOTO: Wanzeller 2011).

Sabe-se, entretanto, por informações colhidas há vinte e cinco anos atrás, em relatos da Srª Guiomar de Oliveira, que o início da festividade dataria de 1789 e que a imagem venerada era outra em tamanho menor, a qual foi doada à antiga capela da Irmandade de Nossa Senhora do Ó, depois que o Patriarca da família faleceu e um desentendimento no seio familiar acabou paralisando o evento por certo período.

Dos remotos tempos pouco ou quase nada se sabe; no entanto, a partir do Sr. Domingos de Oliveira, bisavô da atual promotora Srª Wanda de Oliveira, a festividade tornou-se tradicional, permanecendo através dos tempos por meio de manifestações populares de cunho religioso e profano, cujo ponto culminante acontece, invariavelmente, no dia 20 de janeiro, que é dedicado ao Santo no Calendário Litúrgico da Igreja Católica.

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FOTO: Wanzeller 2011.

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FOTO: Alice Lameira 2011.

É bom lembrar que, no dia 20 de janeiro do longínquo ano de 1836, as tropas do Governo Imperial tentaram, sem êxito, invadir a ilha, para combater os cabanos aqui sediados. Provavelmente, festejava-se o Santo nessa ocasião, porém a batalha se deu na Vila, em área limítrofe entre as praias do Areião e do Bispo, uma vez que, a partir desse ponto -- segundo relatos orais muito antigos -- falsos canhões feitos de troncos de miritizeiros pintados de preto protegiam, estrategicamente, os barrancos, que se estendem até a Praia Grande, engenhoso ardil usado pelos cabanos para manter as tropas legalistas afastadas.

Depois do Sr. Domingos, a festa de São Sebastião passou a ser comandada por seus filhos. Primeiro, o Sr. Ângelo de Oliveira e, posteriormente, Dona Eufrásia de Oliveira deram continuidade à tradição. Essa herança religiosa e cultural tão significativa para a ilha do Mosqueiro seria recebida mais tarde pela filha de Dona Eulália, a saudosa Dona Guiomar de Oliveira, cujo nome se tornou conhecidíssimo, tanto pela grandiosidade de suas festas quanto pelos atrativos que seu bar proporcionava aos frequentadores da Praia Grande, nos inesquecíveis veraneios dos anos 60 e 70.

Com a doença de Dona Guiomar (falecida em 1994), sua filha Wanda de Oliveira dos Anjos assumiu, em 1979, a Homenagem a São Sebastião e continua coordenando a festividade com muita fé e amor, conduzindo para o futuro essa devoção de seus antepassados.

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Dona Wanda de Oliveira (OTO: Wanzeller 2011).

Atualmente, embora persista o Cortejo do Mastro conduzido por mulheres e o tradicional almoço da comunidade, a festa apresenta conotações mais religiosas, envolvendo devotos e promesseiros em uma série de novenas, missas e ladainhas, que são rezadas a partir do dia 10 de janeiro, além de romaria luminosa e procissão, nas quais é conduzida em andor a imagem do Santo.

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Cortejo do Mastro (FOTO: Alice lameira 2011).

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FOTO: Alice Lameira 2011.

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FOTO: Alice Lameira 2011.

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FOTO: Alice Lameira 2011.

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Novena de São Sebastião (FOTO: Alice Lameira).

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FOTO: Alice Lameira 2011

A centenária imagem de São Sebastião, restaurada há pouco tempo por um especialista na Igreja de São Judas Tadeu, deverá, em breve, permanecer definitivamente em seu altar, para não ser mais exposta à ação prejudicial da umidade. Uma réplica deverá substituir a imagem original nas romarias e procissões do futuro, mantendo cada vez mais viva essa tradição do povo mosqueirense.

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Romaria Luminosa (FOTO: Alice Lameira)

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FOTO: Alice Lameira 2011

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

JANELAS DO TEMPO: PIRATAS DA ILHA



A história da Universidade de Samba Piratas da Ilha, fundada em 07 de janeiro de 1975, confunde-se com a trajetória carnavalesca de Agostinho Pereira, o inesquecível Macarrão, fundador da escola que se tornou famoso como folião, sambista irreverente (caracterizado como personagem feminina), compositor e intérprete de sambas memoráveis, entre os quais se destacam “À Tardinha” (primeiro samba dos Piratas da Ilha, em 1971), “Férias do Passado”, “Exaltação à Bahia” e “Belezas e Lendas do Marajó” (o samba do Pererê).
As origens da escola remontam aos tempos de bloco carnavalesco e sua multiplicidade de nomes. Criado em 1968 com o nome de “Piratas da Titia”, cujos principais integrantes pertenciam ao time de futebol Mato Grosso, o bloco saía, invariavelmente, da casa da Tia Águida, na 6ª Rua. Depois, ganhou outros nomes: “Os Tesourados” (1969), “Conosco Ninguém Podemos” (1970) e, finalmente, “Piratas da Ilha” (1971), nas cores amarelo e preto, inspirado na figura do pirata do Ron Montilla (bebida muito apreciada pela juventude da época), tornando-se um bloco de arrastão já tradicional na ilha do Mosqueiro.
Esses momentos iniciais partilhados com Diógenes Godinho (compositor), Quincas, Carlinho Mathias (primeiro passista da escola), Chico Tripa, Tote, Cabeça, Lito, Didi do Tiduca e Emanoel Braga, entre outros, foram decisivos para a transformação do bloco em escola de samba no ano de 1975, concretizando a ideia defendida euforicamente por Macarrão – Presidente de 1975 a 1988.
A partir daí, ostentando as cores vermelho e branco e desenvolvendo enredos de exaltação, político-sociais, históricos ou baseados no folclore, a escola, que recebera o nome de Universidade de Samba Piratas da Ilha, conquistou inúmeros títulos e a simpatia do público por seus desfiles empolgantes. Nem mesmo a cisão na Diretoria em 1976, que paralisou a entidade substituindo-a pelo bloco “A Patada”, empanou o sucesso de sua jornada.
Em 1988, a escola, que já existia de fato, ganhou personalidade jurídica com seu primeiro Estatuto Social, na reorganização promovida pelo Presidente Orlando de Andrade Rabelo (1988 a 1995). Começa, então, uma nova era em que pontificam os nomes de Raimunda Cruz da Silva (madrinha da escola), Jorge do Cavaco (compositor), Paulo Batucada (intérprete), Paulo Munhoz e Geraldão (mestres da bateria); Claudionor Wanzeller (autor e redator de enredos); Mário d’Ávila e Rosivan Pereira (carnavalescos); Alice Lameira (coordenadora de desfile); Dico Medalha, Dico Caldeira, Jorge Botelho e Curiba (coordenadores de alegorias e adereços); Almir Corrêa Cabral (coordenador da Comissão de Frente); Gabriel Ângelo Silva Cordeiro (administrador); Lila Caldeira (estilista); Albertina Carvalho (coordenadora da
ala das baianas) e Miguel Ferreira da Silva Júnior (Presidente de 1995 a 1998).
A partir do Carnaval do ano 2000, a Prefeitura Municipal de Belém deixou de realizar os concursos de escolas de samba da ilha do Mosqueiro. Sem o necessário apoio cultural do Governo e de empresas privadas, sem espaço delimitado e organizado para seus desfiles, a escola, como suas congêneres, transformou-se em bloco de abadá, sem a expressividade e o brilhantismo do passado. Seu barracão de alegorias, inclusive, foi ocupado pela Agência Distrital do Mosqueiro. Foram tempos difíceis vivenciados nas administrações dos Presidentes Célio Soares Almeida (1998 a 2005), Carmem Bastos (primeira mulher a ocupar o cargo de 2005 a 2007) e Walter de Sousa Castro (de 2007 a 2009).
Nos últimos meses de 2009 e no início de 2010, a escola foi administrada por uma JUNTA GOVERNATIVA, que promoveu a reforma estatutária, um processo de reorganização e o pleito para a escolha da nova Diretoria. Essa Junta foi constituída pelos senhores Miguel Ferreira da Silva Júnior (Presidente), Antônio de Vasconcelos Alvarez Rodrigues (Tesoureiro) e Arnaldo Trindade de Azevedo Filho (Secretário). A eleição, realizada por meio de votação secreta, apontou como Presidente da Assembleia Geral o Sr. Orlando de Andrade Rabelo e como Presidente da Diretoria Executiva o Sr. Miguel Ferreira da Silva Júnior.
Hoje, sem concursos e sem títulos, sem barracão ou sede, sem local definido para a saída dos seus arrastões, a escola sobrevive pela tradição e pelo carinho dos seus aficcionados, recordando com saudade, o brilho do passado.
No Carnaval de 2011, os Piratas da Ilha continuam a animar as tardes de domingo com o seu tradicional bloco de arrastão, o qual sempre acontece a partir do primeiro dia do ano e vai alegrar milhares de foliões com a interpretação contagiante dos sambas-enredo que marcaram época. Neste Carnaval, a Universidade de Samba Piratas da Ilha, na voz do intérprete Carlinhos, canta o samba-enredo “Mosqueiro: Sua História e Suas Gentes”, uma composição de Jorge do Cavaco, que sintetiza os fatos marcantes desde os primeiros tempos de ocupação da ilha até as mazelas advindas do progresso atual.













REGISTRO FOTOGRÁFICO DOS VELHOS TEMPOS:

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FOTOS: Baú dos Piratas – org. Jorge Botelho, o famoso Mucurinha.



                                 







CANTANDO A ILHA CHAPÉU

Autor: Marcelo Bittencourt

Chapéu Virado,

Palco de um homem velho sem chapéu,

Que fazia dó no violão em frente ao rio.

Duas ondas se tocavam:

Uma tragada no ar,

Outra tragada na terra.

O homem em dó cantava na madrugada.

O rio repetia a mesma canção que sempre cantou.

Os olhos do homem tornaram-se rios.

A madrugada tornou-se pálida.

O dia nasceu;

Deu outro tom para o homem

Em SOL!

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Praia do Chapéu Virado (FOTO: Wanzeller – 2010).

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

JANELAS DO TEMPO: O TRAMPOLIM E O ALEMÃO NADADOR

Autor: Augusto Meira Filho

“As novas gerações o desconhecem. Sim! Há muito desapareceu da paisagem no Chapéu-Virado. Construído em ferro, fincado na areia e alto sobre as marés plenas, esse famoso trampolim testemunhou, pelo menos, trinta anos de história daquela enseada coberta da sombra carinhosa de grandes mangueiras, em frente à série de casas, vivendas e chalets do Chapéu-Virado das décadas de trinta e quarenta.

Demorava o saudoso trampolim bem fronteiro à Vivenda “Rudajá” de propriedade do Sr. Leonidas de Castro. Nesse tempo ainda existia a bela residência em “Chalet”, mandada construir pelo destacado político do Mosqueiro, Lourenço Lucidoro Ferreira da Motta, mais conhecido como “Loló Motta”. Ele era filho de Lourenço Lucidoro da Motta, irmão do grande pintor paraense Constantino Pedro Chaves da Motta, monarquista ferrenho e que foi um dos nossos maiores artistas plásticos no período do Império.

O antigo “chalet” avarandado, que ainda conhecemos, foi demolido pelos herdeiros de Cypriano Santos e, em seu lugar, ergue-se, hoje, o Edifício Lilian-Lúcia. Seu primeiro proprietário, nessa época, exercia as funções de Tesoureiro da Intendência Municipal, quando governava a cidade de Belém o eminente Senador Antônio José de Lemos.

O trampolim exerceu grande influência na mocidade dos idos de trinta e quarenta. Não encontramos fonte que nos informasse a data de sua colocação naquele ponto estratégico da praia. Nem conseguimos apurar de quem partira a ideia de sua construção, para animar os nadadores. Aliás, houve um tempo, em que experts de natação faziam demonstrações nadando do trampolim até a ponta do Farol ou à escadinha do trapiche da Vila. Guardamos a lembrança do Dr. Raul Borborema que fazia de sua habilidade uma verdadeira aula sobre as ondas empolgando assistentes que permaneciam estáticos na praia para apreciar tão notável nadador.

Já mais tarde, antes da última guerra, celebrizou-se, no mesmo esporte, o alemão Eduardo Kratzonstein que ficou conhecido ali, como o “alemão nadador do Mosqueiro”. Vivia em Belém como fotógrafo oficial do Museu Paraense “Emílio Goeldi”. Costumava nadar desde a ponta onde ficava a Vivenda do Dr. Hygino Amanajás, entre Murubira e Ariramba, alcançando tranquilamente a ponte, na Vila.

O trampolim teve, também, sua função social.

Na sua estrutura de ferro, namoros surgiram, “flirts” daquele tempo começaram naquele vaivém da praia até seu encalço. Havia desafios. Moças nadadoiras esnobavam no seu topo, enquanto a rapaziada temia, muitas vezes, nadar até ali, pois em seu local ninguém tomava pé. O canal era profundo. Eis por que muitos treinavam na “garage do Remo”, ou na piscina da “São Jerônimo” para não fazer fiasco no Chapéu-Virado.

Recordamos bem seu perfil e seu prestígio!”

MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp 427 e 428. clip_image001

MOSQUEIRANDO: Queremos alertar, além dos banhistas, os nadadores e pescadores não-profissionais sobre os perigos das praias da ilha. São praias de rio, entretanto sofrem influência direta do oceano Atlântico, com fluxo e refluxo das marés. Nadar e pescar em pequenos barcos, sem coletes salva-vidas e além do limite permitido, quando ocorre a vazante, é extremamente perigoso. Em todas as pontas da ilha e bocas de rios na costa oriental, a correnteza é muito forte nesse momento – principalmente nas marés de sizígia (marés de lance) – sempre arrastando tudo para o meio do conjunto de baias que banham o Mosqueiro. E nada de jogar-se de cabeça na água nessas pontas de praia, porque existem enormes e cortantes pedras submersas. Por outro lado, nas marés de enchente à tarde, com o vento forte, o mar se encapela e as ondas crescem bastante, notadamente na costa voltada para as baías do Marajó e do Sol. É no início da enchente que a praia de São Francisco torna-se perigosa, pois os incautos podem ficar presos em algum banco de areia, cercados pelas águas que ali sobem rapidamente. Seguindo o bom-senso e as normas de segurança, todos sem exceção – crianças, jovens, adultos, idosos – podem extasiar-se com a beleza paradisíaca de nossas praias e gozar a delícia de um mergulho nas águas salutares do mar dulce de Pinzón.

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FOTO: PRAIA DO FAROL (Gerlei 2010).

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FOTO: PRAIA GRANDE DA BAÍA-DO-SOL (Wanzeller 2010).

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FOTO: PRAIA DO BISPO (Janayna 2010).

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

CANTANDO A ILHA: Mosqueiro em letras

Autor: Prof. Alcir Rodrigues

Procurando por textos sobre Mosqueiro, para organizar um pequeno banco de dados sobre a Ilha, encontrei, entre outros textos (de autores já consagrados pelos leitores e pela crítica, de outros que ainda não atingiram tais píncaros), poemas homenageando ufanamente ou denunciando as mazelas locais. Todos eles, de qualquer modo, tematizando a “Bucólica”, inscrevendo-a no âmbito dos registros gráficos, sejam eles literários, geográficos, históricos, sociais, culturais, etc., não importa tal fato, no momento, já que o relevante e que se tenham dados (os textos) coletados sobre nosso distrito-ilha. O primeiro dos textos que compilei e este, de Antônio Juraci Siqueira, de seu livro Piracema de sonhos:

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                Mo(s)queiro

Metamorfose de signos -- fonemas
roídos pelo tempo e pelo uso...
Foram tantos verões, tantos invernos
foram tantos poentes e alvoradas
que a ilha do Mosqueiro e dos encantos
perdeu seus moquéns e seus mistérios.
Em que volta do tempo se perderam
os nossos ancestrais que moqueavam
piabas nos mares tepacuemas?
Hoje a ilha do Mosqueiro, em desencanto,
carrega um S enorme e sibilante
encravado no nome e no destino.

Um perfeito insight de Juraci associar o tema da decadência, muito alardeada quando se faz referência à ilha e à suposta evolução linguística que, em tese, teria dado origem à palavra Mosqueiro, muitas vezes confundida com aquela que o dicionário registra como “lugar onde há moscas com abundância”. Não é um poema de caráter ufanista, como a maior parte do que e produzido em poesia tematizando o lugar. Em vez disso, evoca, apenas, uma afortunada Ilha de tempos idos, metamorfoseada agora em lugar de desencanto, uma Ilha que subsiste com seus atrativos aprazíveis somente na memória nostálgica dos mais idosos -- ou nas páginas amarelas e bolorentas de algum esquecido livro--, pois Mosqueiro contemporaneamente o que tem angariado não é exatamente em valores prós. É um lugar que clama por um retorno não de um filho pródigo, mas de um tempo de mais prodigalidade.

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Garimpamos ainda outro belo poema, sucinto -- quase um poema-pílula --, que diz muito por meio de uma linguagem lacunar, sempre a ser completado pelo leitor o sentido sugerido, muitas vezes diretamente ligado à forma organizacional das palavras distribuídas no branco da página, em um isomorfismo raro entre expressão e idéia, a evocar a bela praia da predileção de Max Martins: Maraú (para alguns, Marahú), onde o poeta viveu por um tempo, na cabana chamada Porto Max. O texto integra o livro Caminho de Marahu, de 1983, e vem a seguir:

Mar-ahu

Não
é a ilha

Não
é a praia

É o mar
(de nos fazermos ao)
é só um nome
sem

a outra margem

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Outro que surge, no mesmo livro, com as mesmas sutilezas, agora mais para um haicai que para um poema-pílula, é este:

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                               Marahu

       A praia                             
       A tarde se desdiz    
       te diz
                  se estende
                            e te dissolve

Aqui Max explora a vacuidade possível das ondas, sempre sonoras, sempre efêmeras, porém tenazmente repetidas, solvidas dentro de si mesmas, tanto no aspecto vísuo-sonoro quanto semântico, tornando a praia um lugar de nostalgias, liquefazendo o ser dissolvido pela passagem do tempo, que parece fluir vagamente como o próprio pensamento, na contemplação da enseada do Maraú.
Na verdade, tudo o que se possa dizer sobre esses poemas, tanto de Max como de Juraci Siqueira, valem apenas como comentários, visto que os poetas já disseram tudo da melhor maneira possível, e o crítico ou analista, refletindo sobre sua obra, pode estar banalizando-a, no momento em que tenta explicá-la, interpretá-la, ou comentá-la.

Outro poeta a dedicar versos à Ilha chama-se Arnaldo Rodrigues. Em seu livro Cabeleira: o papa chibé em prosa e verso (1998), presenteia-nos com estes, a seguir:

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Mosqueiro e tradução

Não vou sair da praça
com pandeiro e maracá,
quero ouvir você cantar,
lá no Bispo, até o sol raiar: “Essa Ilha é minha onda,
nela vivo a navegar”.
Vou cantar
minhas lembranças:
Murubira, tanto mar,
Ariramba é só luar,
pelas noites enamorar
a morena flor mais bela,
a loirinha no arraial.
Vou esperar pelo Tá Feio,
um bloco e tradição,
carnaval também tem frevo,
carimbó e siriá,
quero ver você dançar
no Farol
até o sol raiar.
Mosqueiro é a tradução
do Rio numa cidade,
mas será que ela me invade
por capricho ou compaixão
ou será que é meu coração
que se mata de saudade?
Eu não vou daqui,
não vou.
Diga ao meu amor:
“Não vou.”

Maraú de areia

No meu Maraú
de areia,
tabaroa faceira,
com decote que encandeia
e o tangará no galho seco.

Vida ribeira
costumeira:
joga a vida,
joga a rede,
veja a vela,
veja o mar.

Rede trança
caroá:
joga a vida,
joga a rede,
veja a vela,
veja o mar.

Vela velha
companheira:
joga a vida,
joga a rede,
veja a vela,
veja o mar.

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Cinco Bocas

Uma butique de raças
na feira tupiniquim,
uma flor que não é do Lácio
mas que tem o seu latim
no grito do índio murubira,
no chalé que o branco inventou,
na ginga do negro
de Osmar e de Dodô.
Cinco Bocas, cinco cantos
cantando o carimbó;
cinco bocas, cinco santas,
Santa Senhora do Ó;
cinco bocas, cinco encantos,
Encantam o Poeta-Mor;
cinco bocas, cinco cantos,
decantam uma só voz:
“Olha Os Piratas,
Os Peles Vermelha
e o Tá Feio,
mas que beleza,
quero pular,
não vou negar,
pois eu não minto,
são cinco bocas
multiplicando,
ah!... são outras mil
Chapéu Virado, Bispo, Farol
e o carnaval no coração
do Brasil.”

Em primeiro lugar, nota-se o caráter de texto pensado de cada um destes poemas escritos por Arnaldo Rodrigues, em cujas linhas se pode constatar o trabalho de poeta burilador de sua linguagem, e poeta que os criou com conhecimento de fato, de causa mesmo, daqui da terrinha ilhoa de Mosqueiro, já que frequenta as bucólicas plagas desde o início da década de 1980, ocasião em que se inicia sua relação afetiva com tudo que seja desta Ilha.

Além de aqui passar a ser residente por temporada, já que possui casa em Mosqueiro, o poeta ancora a referência de seus poemas em lugares e situações que coincidem com o real, ainda que esse fato não seja necessário à qualidade dos escritos, pois seu verossímil nasce da coerência interna a cada texto. Já sua qualidade, esta emerge indubitavelmente do “engenho e arte” do autor, do talento e da técnica, portanto, remontando ao que disse Camões.
Em segundo lugar, o autor, quando se atém a aspectos do exótico e do pitoresco, não o faz como um mergulho cego ou como uma aposta única em temas surrados que acabam por suscitar certo distanciamento do lado humano e sociocultural. Em vez disso, pretextando passear por um território já bastante visitado, porém revisitando-o por sendas inusitadas, explora com qualidade especial a ludicidade, o léxico do campo semântico da música, redescobre tesouros paisagísticos, tanto os naturais como os históricos, além de que faz incursão inusual pelas manifestações socioculturais do carnaval e das agremiações carnavalescas.

Por último, interessa-nos por excelência as referenciações de Arnaldo Rodrigues ao Bloco Carnavalesco Tá Feio, de tradição irnica e irreverente no seu modo de fazer carnaval popular, a quem o poeta já deu sua parcela significativa de participação como brincante, como integrante da ala dos compositores e, principalmente, como representante-mor diante das autoridades, ou seja, como presidente da agremiação em tempos gloriosos de desfiles memoráveis.

No livro No passar da chuva: crônicas & poesias, Eduardo Santos, poeta já conhecido em todo o Brasil por ter dado entrevistas na tevê, como no Programa do Jô, também já famoso por “rodar” em muitos lugares em sua bicicleta estande, escreveu este poema para Mosqueiro:

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Mosqueiro

Recanto oficial
Mosqueiro,
Ilha sem outra igual
Recanto bucólico
Divino e natural.
Ponto de chegada,
Cais de partida...
De quantos e tantos
Amores de verão.
Tua beira-mar
Maravilhosa
De agitos mil...
Em teu palco ensolarado
Passam teus filhos, fãs
E caboclas
Que te exaltam
Clamam e flamam
Com sorrisos,
Bronzes e carnavais.
Tuas praias inesquecíveis,
Teu gosto doce e temperamental
Fazem de ti
O recanto oficial
Do amor, do calor,
Do verão.

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O autor, assim como muitos outros, envereda pelo caminho do enaltecimento de certos caracteres aprazíveis da Ilha, mergulhando suas linhas melódicas no igarapé do ufanismo. Tal procedimento, não sem alguma razão, tem sido considerado por especialistas na área como exploração de lugares-comuns, apelo à trivialidade e, portanto, uma dívida dos autores para com a originalidade e criatividade no trato com a matéria do poético. No entanto, não poderiam estar exagerando na condenação? Creio que aí a questão envolve uma crítica a certo grau de exagero ufano e quantidade demasiada de discurso laudatório, que estariam exaurindo um filão já há muito explorado de forma não

Criteriosa. Ou seja, vale fazer apologia? Depende. Se não for gritante, por que não? O problema é a exacerbação do elogioso ao ponto da aproximação do apolítico e alienante dos aspectos sociais e existenciais (que angustiam a consciência de pessoas de saudável senso crítico, inclusive a do autor destas páginas), afastando o leitor de uma relação benéfica do ficcional com o real, aliciando-o muitas vezes ao abandono da leitura de conteúdo inquietante e questionador. Não sendo assim, doce pecado é banhar-se em lagoas de amenas águas paradisíacas e sentir o agridoce sabor da nostalgia pelo outrora querido e perdido, que não volta mais, sentir o aroma e frescor da brisa e do arvoredo que ensombreia e balança as redes nas varandas da saudade, nas modorrentas tardes de uma Mosqueiro que queremos, mas não podemos mais, re(vi)ver.

Os poemas de Eduardo Santos, de Arnaldo Rodrigues, Max Martins e Antonio Juraci Siqueira permitem muito pertinentemente as reflexões acima, para uma conclusão: escapar ao pitoresco e exótico, ou assumir em seus poemas a exploração dessa temática. Concluímos que não é o uso desse expediente, mas o abuso dele, que acaba por banalizar a literatura. Outra particularidade interessante a se ressaltar é a possibilidade de o poeta vivenciar de fato o que será, a posteriori, ficcionalizado ser tão pertinente quanto à de se imaginar tal vivência, para (também a posteriori) ficcionalizá-la. Ambas são legítimas, mas a

segunda possibilidade concretizada pela pena de um poeta inábil, pode resultar bem mais calamitoso do que se este fato se desse em relação à primeira possibilidade. Contudo, toda essa discussão, indubitavelmente, ainda permanece em aberto.

E, para finalmente concluirmos, deixo registrado aqui um poemeto de minha autoria, que publiquei em um livro artesanal que nomeei de Setembro em brasa:

A Drummond

E como eu vagasse

numa praia de Mosqueiro

à hora vesperal

e só vislumbrasse

nas vagas da vazante

as vagas lembranças

doendo na memória,

como retratos poeirentos

clamando, aí num lampejo

incolor e insonoro

a imagem surge:

o mundo está à espera,

nada é gratuito,

deve chegar o tempo

e virá o recomeço.

batendo leves soltas

asas as ideias se confundem

numa mixagem desordenada,

aparentemente incompreensível.

Me deixo fluir dentro de mim

e me absorvo por completo.

Disponível em:

http://moskowilha.blogspot.com/2011/01/mosqueiro-em-letras.html. Acesso em 12.01.2011.